Como um bispo ortodoxo ucraniano conduziu a sua diocese à plena comunhão com Roma.

O arcebispo D. Ihor Isichenko é um bispo incomum. Ele é um intelectual formidável e um estudioso literário sério. Ele tem sido um líder entre os crentes ortodoxos ucranianos por mais de duas décadas. E há sete anos, ele iniciou um caminho que levou sua diocese ortodoxa à plena comunhão com a Igreja Católica, mesmo em meio a cismas e fraturas entre os crentes ortodoxos ucranianos e durante uma guerra que mudou drasticamente a vida em seu país.
O arcebispo Isichenko entrou em plena comunhão com a Igreja Greco-Católica Ucraniana no início deste ano; as paróquias da diocese que ele liderou agora fazem parte do Exarcado Católico Ucraniano de Kharkiv e da Arquieparquia de Kiev. Com o estatuto de arcebispo emérito, Isichenko liderará agora também uma filial da Universidade Católica Ucraniana.
A notável história do arcebispo começou décadas atrás, quando a Ucrânia declarou sua independência, a União Soviética caiu e o Patriarcado de Moscovo perdeu o monopólio da religião no país.
Em 1989, a Igreja Greco-Católica Ucraniana, que havia sido destituída de seu estatuto legal em 1946, foi legalmente autorizada a existir novamente na Ucrânia. A maior das 23 Igrejas Católicas Orientais em plena comunhão com Roma saiu das catacumbas.
Ao mesmo tempo, alguns crentes ortodoxos ucranianos começaram a pressionar para uma espécie de autocefalia – por uma Igreja Ortodoxa separada da jurisdição e supervisão do patriarca ortodoxo russo em Moscovo.
O movimento não foi homogéneo. Em vez disso, duas estruturas surgiram no início de 1990, que reivindicavam a jurisdição autocéfala no país: a Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana (IOAU) e a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev (IOU-PK).
Ambas as estruturas tinham problemas internos. Mas em meados da década de 1990, a IOU-PK ficou sob a liderança do Patriarca Filaret, que, durante a era soviética, serviu como exarca da Igreja Russa na Ucrânia e foi um dos principais candidatos ao trono do Patriarcado de Moscovo, em 1990.
Com Filaret no comando, a IOU-PK conseguiu estabilizar a sua estrutura. Com o tempo, começou a reivindicar o papel de igreja “estatal” ucraniana.
A IOAU teve menos sucesso na Ucrânia. Em alternativa, concentrou-se nas Igrejas Ortodoxas Ucranianas na diáspora, nos Estados Unidos e no Canadá, que ao longo do tempo se retiraram dos assuntos ucranianos. Muitas paróquias afastaram-se gradualmente da IOAU e entraram na jurisdição de Constantinopla.
No espaço de uma década, a IOAU começou a fragmentar-se. Desde o início dos anos 2000, existe como um conjunto de dioceses quase independentes, unidas apenas por um nome comum.
Em 2018, a recém-criada Igreja Ortodoxa da Ucrânia absorveu a maioria das igrejas, clérigos e recursos da IOU-PK e da IOAU. Sendo a maior estrutura que reivindicava a jurisdição ortodoxa autocéfala na Ucrânia, recebeu o reconhecimento de autocefalia da parte do Patriarca de Constantinopla, em 2019.
Mas nem todos seguiram esse caminho.
A diocese de Kharkiv-Poltava da IOAU, que cobria o Nordeste da Ucrânia, seguiria uma direção muito diferente.
A diocese tornou-se um importante centro para o movimento autocéfalo logo depois da sua fundação em 1992. A sua catedral de São Demétrio, em Kharkiv, tornou-se, ao longo dos anos, um centro cultural e educacional que ministrava formação teológica a futuros sacerdotes da IOAU.
E há sete anos, o arcebispo Isichenko e a diocese de Kharkiv-Poltava da IOAU entenderam que as divisões entre as fações ortodoxas ucranianas se tornaram muito profundas, que a unidade entre as igrejas ortodoxas da Ucrânia era improvável.
A diocese decidiu tornar-se católica – unir-se à Igreja Greco-Católica Ucraniana (IGCU).
A 1 de abril de 2015, uma assembleia eparquial declarou que “estava convencida da impossibilidade de unificação canónica com as Igrejas Ortodoxas Ucranianas na diáspora, rejeitou as formas não canónicas de unificação das Igrejas e acreditou na perspetiva da comunhão da Igreja ucraniana com as Igrejas da antiga e da nova Roma”.
Com um pedido formal, a diocese solicitou ao sínodo dos bispos da Igreja Greco-Católica Ucraniana “conselhos fraternos para alcançar a comunhão eucarística e a unidade administrativa da diocese Kharkiv-Poltava da Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana com a Igreja Greco-Católica Ucraniana”.
O processo para alcançar a unidade não foi fácil, levou quase sete anos. E, de acordo com o arcebispo Isichenko, que lidera a diocese desde 1993, nem todos na diocese seguiram o plano de unir a sua diocese local à Igreja Católica – algumas paróquias juntaram-se a outras comunhões ortodoxas.
“Devo dizer que a maioria dos padres ficaram assustados. Por vários motivos: seja pelo medo de perder o sustento do rebanho, pela falta de compreensão dos fiéis de tal passo, porque estavam sobrecarregados por vários tipos de mitos anticatólicos, ou pelo conservadorismo humano comum, o medo de algo novo”, disse ele ao The Pillar.
No entanto, “as congregações mais maduras apoiaram a ideia e juntaram-se então ao Exarcado de Kharkiv e à Arquidiocese de Kiev da IGCU”.
Embora as paróquias tenham sido totalmente incorporadas na estrutura da Igreja Católica Ucraniana nos últimos dois anos, a condição do arcebispo não fora esclarecida até esta primavera, depois o início da invasão em larga escala da Rússia na Ucrânia.
“Eu aposentei-me e agora sou arcebispo emérito, mantendo a minha autoridade como chefe do Collegium do Patriarca Mstyslav, que este ano adquire o estatuto de projeto da Universidade Católica Ucraniana em Kharkiv”, explicou o arcebispo.

Desde os seus primeiros dias, o arcebispo Isichenko foi uma figura um tanto atípica na ortodoxia ucraniana. Na época da sua tonsura monástica e ordenação sacerdotal, ele era professor de história da literatura na Universidade Estadual de Kharkiv.
Liderou uma diocese durante 27 anos, sem interromper as suas atividades académicas e docentes.
É autor de tratados académicos sobre a história da literatura medieval e barroca ucraniana, literatura ascética e a polémica ortodoxo-católica dos séculos XVI-XVII. Na verdade, ele é um dos maiores especialistas do mundo no seu campo de estudo.
Mas para explicar a decisão que a sua eparquia tomou – a decisão de tornar-se católica – o arcebispo olhou para a história mais recente.
Explicou que a sabedoria do seu plano não pode ser compreendida sem entender a experiência dos ortodoxos ucranianos durante o século XX e o colapso da União Soviética.
“A restauração da independência da Ucrânia também possibilitou a restauração da IOAU, cujas estruturas na época sobreviveram apenas na diáspora. Mas as igrejas nos Estados Unidos e no Canadá estavam bastante esgotadas, não podiam prestar assistência efetiva à Igreja reavivada na sua terra natal. Por outro lado, a comunidade ortodoxa autocéfala ucraniana precisava reconstruir a identidade da ortodoxia de Kiev, como era antes da sua subordinação a Moscovo no século XVII. A tarefa não era reviver, mas reconstruir”, explicou o arcebispo.
“Ainda assim, as fraquezas neste caminho foram imediatamente evidentes: uma base espiritual fraca, uma falta de durabilidade da tradição monástica, etc. A IOAU nunca foi capaz de criar um único mosteiro ou uma única escola académica significativa. Houve ainda vários cismas infames que a Igreja sofreu e – mais importante – esforços constantes de funcionários do Estado e de algumas forças da Igreja para formar uma Igreja ‘estatal’. Tudo isso conduziu à desilusão perante a perspetiva desse caminho.”
O arcebispo Isichenko explicou que, com o tempo, tornou-se evidente que uma tendência permanecia constante na Igreja Ortodoxa desde os tempos bizantinos, que era a tendência para a governamentalização da Igreja e a cooperação mais estreita entre a Igreja e o Estado.
“Servi como bispo governante da IOAU de 1993 a 2020, até à minha renúncia. Fiquei convencido de que a ideia da ortodoxia como alternativa ao catolicismo leva à formação de ‘Russkiy mirs – mundos russos’ em miniatura ou no sentido pleno da palavra.
“Seja na Sérvia ou na Rússia… Infelizmente, essa tendência existe também na Ucrânia. Tal particularismo bloqueia a natureza universal da Igreja, a sua catolicidade”.
O arcebispo disse ainda que a sua diocese começou a considerar a perspetiva de unidade com a Igreja Católica quando a iniciou a agressão russa contra a Ucrânia, em 2014, quando assistiu ao uso da Igreja Ortodoxa Russa para promover o imperialismo russo.
“O que está a ser feito com a Ortodoxia de Moscovo é o grande drama do mundo inteiro. A ideologia da ‘Russkiy mir’ mostra a todas as Igrejas Ortodoxas o perigo de inverter o sistema de prioridades – a perda da prioridade dos valores cristãos sobre as prioridades nacionais, estatais, políticas ou partidárias”, explicou ao The Pillar.
Os padres da ex-diocese de Kharkiv-Poltava da UAOC, que se uniram à Igreja Católica Ucraniana com suas congregações este ano, disseram ao The Pillar que se sentiam confiantes na sua opção, por causa da sua confiança no arcebispo Isichenko.
O Pe. Ihor Lytvyn, que liderou uma paróquia da IOAU em Poltava, explicou que, mesmo antes de 2015, as relações entre a IGCU e a sua diocese eram amigáveis. Os greco-católicos ensinavam frequentemente no Collegium do Patriarca Mstyslav, onde recebeu a sua formação teológica.
E na sua paróquia, os paroquianos sentiam uma afinidade com os católicos ucranianos, disse ele.
“Não foi surpresa para os meus paroquianos. Então, quando a nossa diocese estava em crise, eles solidarizaram-se com o caminho escolhido pelo arcebispo. A maioria votou pela transição, embora alguns se tenham afastado da paróquia. Pessoalmente, sempre estive convencido de que quem não é ortodoxo é um herege e que quem não é católico é cismático. Portanto, para mim, nunca houve oposição entre os conceitos de ‘ortodoxo’ e ‘católico’”, disse o Pe. Lytvyn.
O Pe. Oleh Bondaruk, que agora serve na arquidiocese de Kyiv da IGCU, foi ordenado sacerdote em 2016, quando a diocese de Kharkiv-Poltava já havia iniciado o seu diálogo de reunião com a UGCC. Em 2018, a sua paróquia optou por transferir-se para a Igreja Ortodoxa Ucraniana, mas Bondaruk decidiu tornar-se católico.
O Pe. Bodnaruk explicou ao The Pillar que o seu caminho era um pouco diferente do de outros clérigos da diocese, o que facilitou para se tornar um padre católico.
“A maioria dos padres que não migraram para a IGCU foram ordenados há vários anos. E eu acho que o limite mais difícil para uma pessoa ultrapassar na vida é o limite interconfessional. Eu fui ordenado no momento em que a diocese de Kharkiv-Poltava já havia iniciado o seu movimento de união com a IGCU. A minha escolha foi consciente.”
“Por outro lado, embora tenha sido batizado na Igreja Ortodoxa, cresci num ambiente católico romano, na região de Khmelnytskyi, e tenho muitos polacos na minha família. Frequentei uma igreja católica romana desde o oitavo ano. Até fui para um seminário católico romano por um ano. Mas depois mudei-me para Boyarka, perto de Kiev, e afastei-me um pouco da Igreja. Um dia pediram-me para dar uma boleia ao Arcebispo Ihor até Kaniv e o nosso conhecimento provocou-me um grande impacto. Então tornei-me um padre ortodoxo.”
O Pe. Viacheslav Trush, de Lozova, na região de Kharkiv, disse ao The Pillar que, perante uma questão tão difícil, ele e a sua congregação procuraram, acima de tudo, discernir a vontade de Deus a respeito do caminho que deveriam seguir.
“Um fator importante que influenciou a minha decisão foi também estudar e compreender a experiência da Igreja Católica, familiarizar-me com a sua doutrina, dogmas e história, tanto a nível global como na Ucrânia. Portanto, a nossa escolha baseou-se não apenas na confiança no nosso bispo, mas também no aprofundamento do nosso conhecimento da Igreja Católica”, explicou.
“Na paróquia, discutimos muitas questões e estudamos a história da Igreja. Tudo isso deu frutos. Temos um ambiente muito familiar na comunidade, onde o padre e os fiéis discutem tudo entre si, portanto não há segredos. Deste modo, quando anunciei a decisão do conselho diocesano, os fiéis encararam isso com confiança em mim e no arcebispo Ihor”.

Ksenia Pidopryhora, da Igreja de São Demétrio em Kharkiv, foi forçada a deixar a cidade em março de 2022, por causa da guerra, vivendo agora em Lviv.
Ela contou ao The Pillar que sonhava em voltar para sua cidade natal e para a sua paróquia, à qual pertence desde os seis anos de idade. Pidopryhora explicou que começou por questionar a nova unidade da paróquia com Roma, mas agora é favorável, apoia a mudança.
“Em primeiro lugar, foi o conhecimento pessoal do clero e paroquianos da IGCU em Kharkiv, bem como a observação de figuras conhecidas que representam a IGCU no mundo, como o ex-líder da IGCU, Lubomyr Husar, de abençoada memória, ou o extraordinário intelectual, o Bispo Borys Gudziak. As suas palavras e ações correspondiam à minha ideia do que deveria ser a vida para os cristãos num mundo moderno, vida em unidade. Consequentemente, o desejo de fazer parte dessa unidade era natural”.
“Além disso, a própria IGCU, como instituição, tinha – e tem – uma reputação excecionalmente positiva de consistência e unidade, em contraste com a comunidade da Igreja Ortodoxa na Ucrânia, cujas divisões e brigas vivenciámos como paróquia. Também a transparência em responder a quaisquer perguntas do clero da nossa diocese e a própria possibilidade de ver, conversar e fazer perguntas durante esse processo contribuiu para a consciencialização da conveniência e lógica dessa ‘transição’”, explicou Pidopryhora.
Apesar da sua tradição litúrgica bizantina comum, existem algumas diferenças litúrgicas entre a Igreja Greco-Católica Ucraniana e a Ortodoxia Ucraniana. Pidopryhora confessou estar grata pelo facto de as paróquias da antiga diocese de Kharkiv-Poltava manterem certos costumes específicos de culto, mesmo depois de se terem tornado católicas.
“Felizmente, a ausência de alterações na ordem do culto e o direito de observar o calendário religioso como era antes da ‘transição’ ajudaram os paroquianos da nossa igreja a integrarem-se tranquilamente na vida da Igreja, como membros plenos da IGCU”, explicou ela.
O bispo D. Vasyl Tuchapets, exarca da IGCU em Kharkiv, disse ao The Pillar que as diferenças litúrgicas entre as paróquias da IGCU e as antigas comunidades da diocese de Kharkiv-Poltava da IOAU não eram fundamentais, diziam respeito a nuances rituais.
Mas em todos os outros aspetos, as comunidades estão totalmente integradas na vida do exarcado. Os seus pastores participam em retiros e encontros conjuntos, cursos de formação do exarcado e outros projetos da Igreja.
Por sua vez, o Pe. Trush disse que a “integração” foi uma experiência positiva, para ele e para a sua paróquia.
Anteriormente, a sua vida paroquial parecia isolada – cercada pelas divisões e políticas das igrejas ortodoxas na Ucrânia. Mas agora, disse ele, as coisas mudaram.
“Agora sentimos que pertencemos a uma comunidade global – a Igreja Greco-Católica e a Igreja Católica espalhadas pelo mundo, há um sentimento de apoio. Para mim pessoalmente, como padre, isso é muito importante”, concluiu o sacerdote.
Fonte: The Pillar in pillarcatholic.com em 6 de setembro de 2022 (tradução nossa).