Segundo a tradição mais recente, este primeiro domingo de setembro é o dia em que o povo das redondezas sobe à Serra da Aboboreira para celebrar a festa em honra de Nossa Senhora da Aparecida. A sua capela, situada num lugar ermo e de fraca acessibilidade, na freguesia da Folhada, Marco de Canaveses, foi alvo de obras recentes de beneficiação, após a sua aquisição por parte da paróquia local.

À semelhança do que acontece com tantas outras antigas ermidas espalhadas pelos montes do velho Portugal, as origens da devoção local à Nossa Senhora da Aparecida perdiam-se na história, ainda que o seu nome a associasse, de forma evidente, a uma aparição mariana. Quis o destino que, com a aproximação ao centenário das aparições de Fátima, as origens deste culto fossem redescobertas…
Foi publicada recentemente a obra “As freguesias do distrito do Porto nas memórias paroquiais de 1758” que recupera um manuscrito perdido há muitos anos nos calabouços da Torre do Tombo. De todo este valioso documento histórico com mais de 1000 páginas, merece destaque o detalhado apontamento referente à Nossa Senhora da Aparecida da Serra da Aboboreira.

A curiosidade imediata sugerida por esta descrição resulta das suas semelhanças com aquilo que acabaria por acontecer, 160 anos mais tarde, em Fátima.
As semelhanças são várias:
- o dia 13 de maio;
- um ano terminado em 7;
- três crianças;
- apascentamento de ovelhas;
- um diálogo de proximidade em que a Virgem trata cada um dos videntes pelo respetivo nome;
- o rosário;
- penitência, assente no sacrifício do jejum alimentar;
- a importância dos primeiros sábados;
- uma mensagem para divulgar relacionada com uma devoção;
- o povo, proveniente de muitos lugares, inclusivamente distantes;
- os milagres.
Exmo. e Rmo. Snr
Dando complemento e satisfaçaõ a ordem de V. Excelencia Reverendissima respondo aos itens e interrogatorios do folheto que com ella recebi em o dia doiz de Março deste ano de 1758 comforme o que pude abriguar he o seguinte.
1- He esta freguezia chamada de Sam Joam da Folhada, a quoal fica nos últimos fins da Provincia de entre Douro e Minho, do Bispado do Porto, da Comarca de Sobre Tamega; e outro sim Comarca Regia de Guimaraens, Concelho e termo de Gouveya.
……
27…. Tem nos limites desta freguesia, mas quazi em os confins della, que a devidem da freguezia de Sancto Andre de Varzea, com quem esta parte, pellas partes do Poente e Sul, em as faldas dos grossos e espessos matos da Serra da Abobereyra á parte do sul em hum cabeço do dito monte [1] em o dia treze de Mayo do ano próximo passado de [2] mil e cete centos e sincoenta e cete quase huã hora antes do occazo do Sol andando [3] trez creaturas de idade menor de menos de doze anos [4] apacentando huãs ovelhas no tal sytio chamado o outeyro do Preyro, sem que nada vissem ouviram huã voz que as chamava [5] cada coal por seo próprio nome, que eram duas Marias e huã Thareza e voltando a vista viram sobre huãs asperas pedras hua mulher postrada, ou ao modo de encostada a outras mais altas fraguas, de mediana estatura; mas de tam brilhante e replandecente halo, que logo admiradas lhe pareceo não ser mulher patricia, mas chegando a ella ainda que algum tanto admiradas de ser tal mulher, e em tal sytio as animou esta com afagos a que chegassem a ella para mais perto e esta que se nunca afasta de saudar, e pegando lhe da mão ahua de vertude mais moral e aoutra tirando lhe [6] um rozario que trazia ao pescosso o lançou ao ceo emquanto com ellas praticava, e a terceira que hera mais adulta reprehendendoa do vicio de fallar no Demonio logo a todas emcomendou fossem ao seo lugar e nelle dicessem a todos [7] jejuassem a paõ e agoa [8] as primeyras sextas feiras, e sábados, que daly se siguissem e que o mesmo [9] dicessem a todas as pessoas que vicem, e com ellas falacem, e depois hua por mais discreta perguntando a tal mulher quem era lhe responderia esta, que feyto o que lhe recomendava, e continuando nove dias contínuos ao redor daqueles penedos hua rumaria em Louvor de Nossa Senhora sabiram entam quem ella era, o que cumpriram assim as três meninas pronptamente e delatandosse esta noticia foy [10] foi tal o comcurso de povo, de perto, e longe que todos uniforme mente o aclamavam por Milagre, o que vendo eu, e observando dey de tudo parte ao Muito Reverendíssimo Doutor Provizor deste Bispado pedindo lhe mandasse abriguar este cazo judicial mente ou de nós o dito Senhor observasse a substancia deste cazo e senaõ desprezace a vista de que fazendo eu as maiores abriguaçoes, que pude por mim, e por outrem naõ achey arte á presente couza em contrario; antes achey por pessoas muito fide dignas haverem visto e observado á muitos anos a esta parte huma luz muitas noites em o tal sytio em ao dia vespora da Ascenssam de Nossa Senhora de Agosto, de noite se vio huma luz tam resplandecente quase atraz da meya noite que afirmam se podia ler huã carta á sua claridade isto sendo distancia mais de meya legoa e ao depois deste cazo se nam observou mais tal luz; alem do que e das mais observâncias que tenho feyto tem o currido ahum ano a esta parte [11] alguns Milagres e o mayor que tenho observado he o infinito povo que continuamente com corre aquelle sytio para satisfaçam do qual mandey por em elle huã estampa de Nossa Senhora da Lapa e huma cruz de pao para efeyto da adoração e devoção daquelle povo.
(in “Memórias Paroquiais” Folhada, Gouveia de Riba Tâmega – Memórias paroquiais, vol. 15, nº 98, p. 601 a 612 Torre do Tombo – transcrição literal)
Seria interessante, agora, se a população local pudesse transferir a festa de Nossa Senhora da Aparecida para o dia 13 de maio, data da alegada aparição, e já agora recuperar também a novena referida no manuscrito. Este ano de 2017 seria ano ideal.
A história da relação de Portugal com a Mãe de Deus é de facto rica e muito antiga. Estas e outras coincidências – chamemos-lhes assim – são daquelas coisas que nos fazem sorrir!
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Basto 9/2017