Ainda sobre a medonha cruz de Vedele

Há mais de quatro anos, tínhamos aqui alertado para o problema da invasão do mundo católico por estas sinistras medalhas cruciformes, as quais, desde 2013, têm vindo a substituir os piedosos crucifixos no peito dos nossos sacerdotes, bispos e cardeais, assim como nos terços e em outros objetos religiosos. A sua popularidade começou em março de 2013, com a eleição do Papa Francisco, que a usa, como cruz peitoral, pelo menos desde a época em que foi cardeal.

Pouco se sabe sobre esta obscura peça de joalharia, cheia de motivos enigmáticos e ambiguidades semânticas, a não ser que terá sido elaborada pelo artesão italiano Giuseppe Albrrizzi, a partir de um modelo desenhado pelo seu mestre Antonio Vedele, falecido em 1997, cuja chancela se encontra grafada no verso.

Recentemente, Barnhardt, uma católica dos EUA, dedicou algum do seu tempo a investigar a sinistra peça ornamental, tendo chegado a algumas conclusões interessantes… Para além de ter encontrado – muito provavelmente através do nosso blogue – a dissimulada coruja e o invertido rosto sorridente no centro de algo semelhante a chamas de fogo, ela reparou também que uma das pernas do “pastor” parece virada ao contrário e que uma das “ovelhas” tem a forma de um porco. Convém no entanto lembrar que, atualmente, há uma grande variedade destas cruzes e tais elementos não são percetíveis em todas elas.

O que Barnhardt traz porém de verdadeiramente novo, para nós que há muito nos escandalizamos com esse ornamento papal, é o facto de a sinistra medalha ter sido também usada como cruz peitoral de uma outra destacada e controversa figura da hierarquia católica, desta feita, o cardeal D. Joseph Bernardin (1928-1996).

O antigo titular da Arquidiocese de Chicago, nos EUA, hoje entregue ao ultramisericordista D. Blase Cupich, foi uma destacada figura da hierarquia católica do seu tempo. A sua fama, todavia, ainda hoje, estende-se muito para além do seu ministério pastoral, aparecendo frequentemente associada a acusações de prática de homossexualismo, abuso sexual de menores, as duas anteriores em simultâneo e – ainda que pareça impossível – até bem pior que isso, embora nunca tenha sido formalmente julgado ou condenado.

Numa investigação póstuma recentemente empreendida pelo Church Militant, o canal católico americano de informação concluiu que Bernadin violou, de facto, menores de idade em contextos rituais, enquanto praticante de cultos satânicos, sendo também uma das principais figuras chave da máfia gay da Igreja Católica dos EUA.

A ação de Bernardin, enquanto peça-chave, na engrenagem da rede de homossexualismo clerical dos EUA foi detalhadamente descrita por Randy Engel. A autora americana dedicou-lhe um capítulo inteiro da sua densa obra The Rite of Sodomy (em português, O Rito da Sodomia), que já vai em cinco volumes redigidos com o resultado da sua investigação ao grave problema do homossexualismo clerical. Mas há mais casos e mais fontes…

O caso da vítima “Agnes”, acima mencionado, tirando um pequeno desajuste cronográfico, parece corresponder ipsis verbis ao caso pormenorizadamente narrado por Malachi Martin no seu livro Windswept House (em português, A Casa Varrida pelos Ventos), de 1996. De acordo com o ex-jesuíta, no dia 29 de junho de 1963, ter-se-á celebrado, na Capela Paulina, no Vaticano, e simultaneamente numa capela de Charleston, na Carolina do Sul, EUA, uma cerimónia de entronização de Lucifer na Igreja Católica, que incluiu a violação de uma menina, apresentada no seu livro como “Agnes”.

Verdades ou mentiras, o tempo acabará por clarificar… Mas uma coisa é certa, esse “crucifixo” é algo sinistro, independentemente de quem o possa usar.

Basto 02/2021

A fissura na muralha ou o ‘princípio da autodeterminação’

narc
Caravaggio, Narciso, 1598-1599

 

Por Pedro Sinde

«…virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina»

«Mas tu persevera no que aprendeste e acreditaste»

S. Paulo (2 Tim 4, 34 e 2 Tim 3, 14)

Filautia

São Paulo, nas importantes cartas a Timóteo (particularmente, 2 Tim 3, 2) fala de nós, “os homens dos últimos dias”: “Sabe, porém, que nos últimos dias sobrevirão tempos difíceis, porque os homens serão egoístas…”. “Egoístas” é a tradução de “philautoi”, aquele que não se ama senão a si mesmo; e, por isso, não ama o outro como a si mesmo, nem a Deus sobre todas as coisas, mas a si mesmo elegeu como centro de todas as coisas, como princípio (determinador) de si mesmo (auto). Como diz Ireneu Hausherr, num magnífico livro dedicado inteiramente ao estudo deste tema – um verdadeiro manual para entendermos os dias que vivemos (Philautie: de la tendresse pour soi à la charité selon Saint Maxime Le Confesseur): philautia é a raiz de todos os pecados, de todos os vícios e, de facto, vemos como São Paulo começa por aí justamente a sua longa enumeração dos vícios dos homens dos “últimos dias”:

“serão philautoi, avarentos, altivos, soberbos, blasfemos, desobedientes a seus pais, ingratos, ímpios, sem coração, implacáveis, caluniadores, dissolutos, desumanos, inimigos do bem, traidores, insolentes, orgulhosos e mais amigos dos prazeres do que de Deus, tendo uma aparência de piedade”.

Tendo uma aparência de piedade!“Foge destes”, conclui São Paulo! Sim, como as ovelhas fogem da voz dos estranhos (Jo 10, 4-5) … Estes são ainda aqueles de quem São Paulo diz que têm uma “fé inconsistente” e que “resistem à verdade”.

E São Paulo aconselha Timóteo e, portanto, a nós, Timóteos de hoje, assim: “Mas tu persevera no que aprendeste e acreditaste” (2 Tim 3, 14); “virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina, mas acumularão mestres à sua volta, ao sabor das suas paixões, levados pelo prurido de ouvir. Afastarão os ouvidos da verdade e os aplicarão às fábulas.” (2 Tim 4, 3-4)

É curioso como, lendo São Paulo, somos levados a dizer dos inovadores que são eles, na verdade, os “duros de coração”, os que “resistem ao Espírito Santo”, pois são eles que se “fecharam à Verdade” para elegerem uma opinião “ao sabor das suas paixões”.

 

Autodeterminação

«… por uma qualquer fissura o fumo de Satanás entrou no templo de Deus»

Papa Paulo VI, 1972

A tremenda expressão de Paulo VI, citada em epígrafe, vai-se tornando realidade na sociedade em vários níveis e de forma impressionantemente rápida. Uma das mais graves expressões daquilo que está significado naquela “fissura” é aquilo a que se chama o “princípio da autodeterminação”. A aplicação deste “princípio” a várias áreas tem sido catastrófica: começou pela filosofia, pela política, pela sociologia, chegou à psicologia e desembarcou, cheia de fôlego, na teologia. A autodeterminação é, na verdade, sinónimo da expressão da rebeldia do anjo caído, o seu “non serviam”, não servirei! É o diametral oposto daquilo que o Senhor nos ensinou, desde logo de modo perfeito, no exemplo da Imaculada: a de adequarmos a nossa vontade à Sua – a de fazermos tudo quanto Ele nos disser. Em rigor, o único auto-determinado é Deus, por isso, trata-se de uma tremenda usurpação do poder divino; usurpação que Deus permite ou inflige para daqui tirar um bem maior.

A ideia de que uma sociedade, um grupo de indivíduos ou um só indivíduo, têm direito à autodeterminação é completamente absurda. No entanto, já fomos tão longe, a este nível, que se considera normal um homem “identificar-se” como mulher e vice-versa. Paulatinamente, começou a aparecer a expressão “género” e, num segundo momento, bem calculado, começou-se a separar “género” de “sexo biológico”, reservando o primeiro para a psicologia. Esta é apenas uma aplicação daquele “princípio”.

Quando olhamos para a teologia, podemos observar como esse mesmo “princípio da autodeterminação” veio também a resultar numa separação entre a esfera objectiva e a esfera subjectiva das nossas acções. Assim, é possível, diz-se, que uma acção objectivamente má, um pecado, subjectivamente não seja tal. É esta a pretensa justificação para a aceitação de que um adúltero, objectivamente, possa não se ver como tal, subjectivamente. Diríamos que o facto de um adúltero ou qualquer outro pecador é passível de não se reconhecer como tal, por incapacidade de discernir a sua situação, vendo-se objectivamente. No entanto, se esta sua “impressão” contar com a sanção da Igreja, então adquire certa aparência de objectividade, fechando-se o ciclo! Exactamente como na questão de “género” e “sexo”, aqui opera-se, num primeiro momento, uma separação entre as duas áreas e, depois, privilegia-se, como ali, a esfera subjectiva, dando uma aparência de misericórdia, por se “respeitar” a vontade do indivíduo; quando o que o Senhor nos pede é, pelo contrário, que entreguemos a nossa vontade nas Suas mãos, adequando a nossa à Sua Vontade, pois Ele é a fonte única da misericórdia.

Ou seja, por este processo, abre-se uma fissura entre a realidade objectiva e a subjectividade, para depois se subverter a hierarquia natural (e sobrenatural) da realidade. A perversidade deste “princípio” está ainda na sua universalização virtual. Esta é uma marca da inteligência sinistra e terrível do anjo caído. Este “princípio” há-de, pois, ser levado a extremos inimagináveis para nós ainda. A sua consequência é fácil de ver: uma implosão.

 

Parece que estamos em pleno naquela hora de que fala o Catecismo, a hora em que se tentará criar, na religião, uma “solução aparente” para todos os nossos problemas, mas “à custa da apostasia da verdade” (§ 675).

No entanto, a Verdade é a Verdade e não mudará apenas por os homens, sejam mesmo teólogos, sacerdotes, bispos ou mesmo papas, a pretenderem mudar. Cristo não disse apenas que vinha para nos dizer a Verdade; não, Ele disse também que Ele é a Verdade, identificando-se ontologicamente com ela.

No fim, uma pedra seguirá sendo uma pedra, por muito discernimento que tenham doutores em teologia, filosofia, sociologia ou política… uma pedra, por muito que se achasse ou identificasse com um vegetal, sempre seguiria sendo, inelutavelmente, uma pedra, por muito que se cobrisse de musgo.

 

Há, no entanto, uma área em que os defensores do “princípio da autodeterminação” nunca se atrevem nem atreverão a atacar e a exigir que também aí se aplique esse “princípio”: a biologia. A razão é simples, é que a biologia ilustra de um modo terrível o efeito deste “princípio” quando aplicado a um organismo: chamamos-lhe tumor.

Este texto foi publicado na plataforma Academia.edu em abril de 2018.

Nota da edição: o artigo acima é da inteira responsabilidade do seu autor, neste caso o filósofo português Pedro Sinde, a presente edição visa apenas a sua divulgação.

Basto 4/2018