Rússia auto-excluída da pan-ortodoxia

Nicea
1º Concílio de Niceia em 325 – Fresco da Capela Sistina (Roma), 1590

Partindo de uma perspetiva fatimista, um outro sinal que nos faz crer que podemos estar à beira do despoletar de grandes transformações religiosas e geopolíticas a nível mundial foi a convocação do Concílio Pan-Ortodoxo, que teve lugar entre 20 e 26 de junho, na ilha grega de Creta. Este foi o primeiro grande concílio em mais de mil anos que exigiu cinco décadas de preparação, contando com a presença de 10 Primazes e mais de uma centena e meia de bispos.

Ao contrário do que aconteceu com a Igreja Católica, após o Grande Cisma do Oriente, a Igreja Ortodoxa não conseguiu manter a unidade orgânica enquanto instituição una e supranacional. Aliás, hoje prevalecem várias disputas assumidas ao nível de lideranças e jurisdições. As Igrejas Ortodoxas são autocéfalas, gozam de autonomia administrativa, no entanto, o Patriarca Ecuménico de Constantinopla (de Bizâncio/Nova Roma/Istambul), historicamente, é quem ostenta o título de primus inter pares (primeiro entre iguais). Contudo, devido à exiguidade da sua Igreja na Turquia, essa liderança é contestada, nomeadamente pela Rússia (“3ª Roma”, Moscovo ou São Petersburgo).

Das 14 Igrejas Ortodoxas oficialmente reconhecidas, quatro não marcaram presença no concílio, entre as quais, a Igreja Ortodoxa Russa. Dada a sua dimensão e importância, a sua ausência quase transforma o concílio num fracasso, pois representa cerca de 1/3 dos mais de 250 milhões de ortodoxos em todo mundo.

Para além de não ter participado, a Igreja Ortodoxa Russa manteve uma postura crítica em relação ao evento. Este distanciamento ocorre apenas alguns meses após a histórica aproximação ao Bispo de Roma, o que não deixa de ser curioso, se tivermos em conta que um dos principais temas tratados no concílio foi o relacionamento da Igreja Ortodoxa com as outras denominações cristãs.

A Rússia mostra, mais uma vez, ter a sua própria agenda geopolítica e religiosa, cujos objetivos globais permanecem ainda fora do alcance da nossa compreensão.

 

Basto 6/2016