
A ideia era que duas mulheres, uma ucraniana e outra russa, juntas, em representação das duas nações beligerantes, transportassem a cruz na XIII Estação da Via-Sacra de Sexta-feira Santa, presidida por Francisco, no Coliseu de Roma. O texto proposto para a meditação seria politicamente neutral:
Morte em todo o lado. Vida que parece perder o valor. Tudo muda em poucos segundos. A nossa vida, os nossos dias, a neve despreocupada do inverno, levar os filhos à escola, trabalho, abraços, amizades… Tudo. De repente, tudo perde o significado e o valor. “Onde estais, Senhor? Onde Vos escondeis? Queremos a nossa vida de volta, como antes. Porquê tudo isto? Que mal fizemos nós? Porque nos abandonastes? Porque abandonastes os nossos povos? Porque separastes as nossas famílias deste modo? Porque não temos mais vontade de sonhar e de continuar a viver? Porque é que a minha terra se tornou tão escura como o Gólgota?” Não temos mais lágrimas. A raiva deu lugar à resignação. Sabemos que nos amais, Senhor, mas não sentimos esse amor e isso leva-nos ao desespero. Acordamos de manhã e apenas nos sentimos felizes por alguns momentos, logo de imediato pensamos como nos será difícil reconciliar com tudo isto. Onde estais, Senhor? Falai connosco no meio do silêncio da morte e da divisão e ensinai-nos a ser pacificadores, irmãos e irmãs, e a reconstruir o que as bombas tentaram destruir.
Texto previsto para a meditação da XIII Estação da Via-Sacra, presidida pelo Papa Francisco, no Coliseu de Roma, na Sexta-Feira Santa de 2022 (Fonte: vatican.va; tradução nossa)
Os católicos ucranianos ficaram indignados com a possibilidade de ucranianos e russos carregarem juntos a cruz, como se a cruz do agredido e do agressor pudesse ser a mesma, e pediram ao arcebispo-mor de Kiev, que transmitisse à Sé Apostólica a sua rejeição desta iniciativa, em nome dos ucranianos de todo o mundo. Um ato simbólico como este só faria sentido se o agressor tivesse intenção de cessar a sua agressão, se estivesse arrependido e pedisse perdão pelo mal infligido à nação agredida.

Considero essa ideia inoportuna, ambígua e que não tem em conta o atual contexto de agressão militar da Rússia contra a Ucrânia. Para os greco-católicos da Ucrânia, os textos e gestos da estação XIII desta Via Sacra são incompreensíveis e até ofensivos, especialmente num contexto em que se espera por um segundo ataque ainda mais sangrento das tropas russas às nossas cidades e aldeias. Eu sei que os nossos irmãos católicos romanos compartilham desses pensamentos e emoções.
D. Sviatoslav Shevchuk (Fonte: risu.ua, em 12 de abril de 2022; tradução nossa)
Esta reação foi assumida também pelo núncio apostólico da Santa Sé na Ucrânia.
O gesto de reconciliação em si é bom, mas os detalhes das circunstâncias podem não ser claros do lado de fora do conflito porque são ambíguos. É por isso que surge uma indignação tão forte. […]
Parece-me que nas últimas 24 horas fiz todo o possível para transmitir a inconsistência deste gesto litúrgico no contexto da terrível guerra e dos seus planos de possível escalada. Deixo o resto com Deus. Também estou convencido de que, pessoalmente, fiz tudo que me era possível para evitar um desnecessária palavra de condenação dirigida àqueles que não avaliaram completamente todas as circunstâncias. Cometi um erro, ao tentar fazer meus próprios esforços para parar a guerra. Espero sinceramente que os organizadores ainda tenham oportunidade de corrigir a cena da Via Sacra e evitar mais divergências sobre este tema.
D. Vitaliy Kryvytskyi (Fonte: risu.ua, em 13 de abril de 2022; tradução nossa)
Deste modo, os católicos ucranianos pediram ao Vaticano que abdique desta iniciativa simbólica na Sexta-feira Santa.