Discurso do Cardeal Ottaviani sobre o Segredo de Fátima, no cinquentenário das aparições

Cardeal Ottaviani ao lado do Papa João XXIII.

Discurso proferido pelo cardeal D. Alfredo Ottaviani, a 11 de fevereiro de 1967, na Pontifícia Academia Mariana Internacional (o sublinhado é nosso):

Se se trata de um segredo, como posso eu revelar o «segredo»?
De qualquer maneira tratarei de algumas questões circunstanciais acerca do «Segredo de Fátima», como disse muito bem o Rev. Pe. Balic.
A primeira vez que estive em Fátima foi em 1955. Enquanto ia na estrada que me conduzia à Cova da Iria já era edificado pela piedade, pelo espírito de sacrifício e de oração que tantos filhos do povo me davam, caminhando por aquela estrada, carregados com os mantimentos e os objectos indispensáveis para passar a santa noite comemorativa do acontecimento do dia 13 de Outubro de 1917.
E quando, subitamente, cheguei ao alto da Cova da Iria, pareceu-me ter posto os pés na casa da Mãe, pareceu-me sentir a palavra da Mãe que repetia: oração e penitência.
Toda aquela boa gente, milhares e milhares de pessoas que passavam a noite ao relento, em orações e cânticos, em cânticos e orações, enquanto as chamas de milhares de velas pareciam incendiar a grande praça diante da Basílica, toda aquela gente, digo, me deu a autêntica impressão de que compreendia bem o espírito da Mensagem de Fátima.       
A Santíssima Virgem, ao colocar o Seu pé virginal na terra da Cova da Iria e destarte santificando-a, na Sua conversa com a pequena Lúcia confiou-lhe três mensagens. Uma dizia respeito à própria Lúcia, aos seus mais íntimos sentimentos familiares, a predição de que o Francisco e a sua irmãzita Jacinta iriam em breve para o Céu. E a profecia verificou-se exactamente em pouco tempo. Ali, na Basílica agora construída na Cova da Iria, à direita e à esquerda do altar-mor, pode ver-se a pedra sepulcral do lugar onde os restos mortais da Jacinta e do Francisco esperam o dia da glória da ressurreição, enquanto as suas almas são felizes no Céu. Quando perguntei à Lúcia que desejava mandar dizer ao Santo Padre, teve um sentimento que me comoveu: pensou no Francisco e na sua irmãzinha – «diga ao Papa que faça andar depressa a causa da beatificação».
E espero que o voto da Lúcia seja ouvido o mais depressa possível.
Ali, dizia eu, na Cova da Iria, a gente sente-se como na casa da Mãe, quase que sente a voz da Mãe que repete: oração e penitência.
O Mundo prestou ouvidos à mensagem de Lúcia, aquela mensagem que além da parte privada, familiar e de outra parte que dizia respeito a todo o Mundo – a mensagem que convidava o Mundo inteiro à oração e penitência –, continha uma terceira parte das coisas que a Santíssima Senhora tinha confiado. E esta tinha-a confiado não para ela, Lúcia, não para o Mundo – pelo menos imediatamente – mas para o Vigário de Jesus Cristo.
E Lúcia conservou o segredo. Não falou, apesar de se ter tentado fazê-la falar. Se correm por aí «Segredos de Fátima», se se lhe atribuem, não o acrediteis. Lúcia não falou, Lúcia manteve o segredo.
Entretanto, que fez ela para obedecer pontualmente à Santíssima Virgem? Escreveu numa folha, em língua portuguesa, aquilo que a Senhora lhe dissera para dizer ao Santo Padre.
A Mensagem devia ser aberta não antes de 1960. Perguntei a Lúcia porquê – a razão daquela data. E ela respondeu-me: «porque então aparecerá mais claro». O que me fez pensar que aquela mensagem era de tom profético, porque precisamente na profecia, como é costume ler na Sagrada Escritura, existe um véu de mistério. As profecias não estão, geralmente, em linguagem aberta, clara, compreensível por todos. Os exegetas ainda hoje estão a interpretar profecias do Antigo Testamento. E que dizer, por exemplo, das profecias contidas no Apocalipse? Então, disse, em 1960 aparecerá mais claro.
O sobrescrito contendo o «Segredo de Fátima» foi entregue ao Bispo de Leiria fechado, e embora Lúcia tivesse dito que ele o poderia ler, não quis lê-lo. Quis respeitar o “Segredo, mesmo por reverência ao Sumo Pontífice. Enviou-o ao Núncio Apostólico, o então Mons. Cento e hoje Cardeal, aqui presente, o qual o remeteu fielmente à Congregação da Doutrina de Fé que o tinha pedido, para evitar que uma coisa tão delicada, destinada a não ser dada em pasto ao público, pudesse, por qualquer motivo, mesmo fortuito, chegar a mãos estranhas. Chegou «o segredo»; foi levado à Congregação da Doutrina de Fé, e, fechado como estava, foi entregue a João XXIII. O Papa abriu-o; abriu o sobrescrito; leu-o. E, embora em português, disse-me depois que tinha compreendido todo o texto. Depois, ele mesmo meteu o «segredo» noutro sobrescrito, lacrou-o e meteu-o num daqueles arquivos que são como um poço, no qual cai a carta até ao fundo negro, muito negro, e ninguém vê mais nada. Daqui que seja difícil dizer agora onde esteja «o segredo de Fátima».
Mas o que importa, o que deve importar ao Mundo é o conteúdo da Mensagem pública, tornado universal, divulgado por todo o Mundo e, graças a Deus, recolhido com atenção por todo o Mundo. Outra coisa é saber se todo o Mundo o pôs imediatamente em prática segundo os desejos da Santíssima Senhora que tinha exortado à oração e à penitência para evitar aquelas sanções que no livro divino da Providência estão previstas para um Mundo que corresponde tão mal à graça do Senhor.
Lúcia, para ser melhor defendida – porque podeis imaginar quantos jornalistas e até quantos bons sacerdotes que tinham vontade de escrever qualquer coisa sobre o «Segredo de Fátima» terão ido importuná-la – retirou-se para um convento: Lúcia foi, neste particular, verdadeiramente edificante: não falou.
Não acrediteis naqueles que dizem ter ouvido isto ou aquilo de Lúcia. Eu que tive a graça e o dom de ler aquilo que é texto do segredo – mas porque estou obrigado ao segredo mantenho secreto – eu é que posso dizer que tudo aquilo que por aí circula – há poucos dias ainda num jornal da província falava-se do texto e dava-se o texto do «Segredo de Fátima» – é fantasia. Podeis estar certos de que o verdadeiro segredo está de tal forma guardado que ninguém lhe pôs os olhos em cima. Portanto não resta outro remédio senão regular-se por aquilo que foi tornado público. A Mensagem pública de Fátima é a que interessa.
O «Segredo» interessa só ao Santo Padre a quem era destinado. Ele era o destinatário. E se o destinatário não se decide a dizer: «este é o momento de torná-lo conhecido ao Mundo», devemos deixar à sua sabedoria que isso continue em segredo.
Mas o que interessa, como dizia eu, é que nós saibamos conformar a nossa vida, as nossas acções, a nossa actividade ao que constitui o espírito da Mensagem pública, porque Lúcia foi encarregada não somente de enviar ao Papa a «Mensagem secreta» mas também de publicar e tornar conhecida de toda a gente a Mensagem pública, mensagem que se resume naquelas palavras: oração e penitência.
Era a repetição daquilo que a Senhora já tinha dito em Lourdes. Hoje, que nós estamos ainda a comemorar a festa das aparições de Santíssima Virgem em Lourdes, devemos ler estas duas manifestações da bondade de Maria que, descendo do Céu, pôs o Seu pé virginal sobre a terra para santificá-la e também para fazê-la caminhar pelo melhor caminho, assim devemos procurar fazer com as nossas acções, com a nossa oração, com o nosso exemplo, com todas as virtudes cristãs que devemos praticar, mas de modo especial com a oração e com a penitência, contribuindo assim para que a Mensagem de Fátima produza os efeitos para os quais foi enviada ao Mundo.
Também foi posta em evidência a relação existente entre a Mensagem de Fátima e a situação da Igreja em certas regiões, nas quais ela sente o peso das perseguições, onde se luta contra a religião.
Aí está a Mensagem – primeiramente na pública – a Mensagem também da esperança, da conversão e esta pode ser acelerada com as preces de todos os devotos de Nossa Senhora de Fátima.
Sim, neste dia em que celebramos precisamente uma solenidade mariana, a das aparições de Lourdes, devemos voltar-nos para a Imaculada, aparecida em Fátima como em Lourdes, para que Ela conceda ao Mundo a consolação de ver realizados os votos que estão no coração, na mente, na oração, na respiração e nos suspiros de todos os cristãos.
E embora existam ainda perseguições; países calcados pelos pés dos déspotas, dos perseguidores; regiões imensas semeadas de patíbulos, de cruzes, de cárceres, cárceres santificadores de tantos mártires, nós devemos ter esperança.
Já uns certos sinais, como auroras – permiti-me esta expressão – de novas situações se começam a desenhar. Talvez eu seja optimista, mas a Santíssima Virgem parece inspirar-me a ter confiança. Se Ela saiu do Céu, santificou com o seu pé virginal a terra de França e de Portugal e tantas outras terras nas quais apareceu, fê-lo para nos encorajar.
Esperemos que os sinais que se observam sejam conformes àquela esperança que se pode beber na Mensagem de Fátima, porque se a Senhora apareceu, apareceu certamente para nos dizer que devemos ainda sofrer – como de resto tinha predito os sofrimentos da guerra da qual todos nós fomos testemunhas e vítimas – mas veio também a este Mundo para nos dar esperança.
Ela é a Mãe da confiança. Todos A sabemos invocar como Mãe «tota ratio spei meae, fiducia mea» «razão da minha esperança, minha confiança». Ora bem, já que Ela nos dá esta esperança, oremos para que nos obtenha aquilo que está no coração, no desejo de todos e é que venha depressa o Reino de Cristo «Venha a nós o Vosso Reino»; o Reino de Cristo na paz de Cristo.
Os sinais reveladores que nos servem de indício da evolução em certos Países, são os sucessos daquele ecumenismo que torna mais fraternais os povos mesmo aqueles que não são católicos, mas se gloriam e muito justamente do nome de cristãos; os sinais do acolhimento de todos às acções do Santo Padre em favor da paz – ainda ontem me falava, naturalmente com as reservas que eu mesmo tenho de observar – de outros ulteriores passos recentissimamente dados nestes dias para facilitar a solução do conflito vietnamita.
Se, como digo, todos estes sinais nos são dados para esperar que a Santíssima Virgem neste Cinquentenário dos acontecimentos de Fátima, quererá dar qualquer nova esperança ao Mundo cristão, nós temos de dizer: acolhamos este auspício da Santíssima Senhora; apressemos a sua realização com a oração.
E poderemos então dizer o que Nossa Senhora nos diz desde Fátima: «Levantai a vossa cabeça porque se aproxima a vossa redenção».
E a nossa resposta é com este grito: «Fiat! Fiat!».

Fonte: Alonso, Joaquin Maria (1967). O Segredo de Fátima IV – O Conteúdo. Fátima 50, Ano I, N.º7, 13/Novembro/1967 (pp. 14-16) disponível em https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Fatima50/Fatima50.htm