Dicastério para a Doutrina da Fé responde aos dubia sobre transgéneros

Por Luke Coppen

O gabinete do Vaticano responsável pela doutrina respondeu às perguntas de um bispo sobre o papel das pessoas que se identificam como LGBT nos batismos e casamentos católicos.

Cardeal D. Víctor Manuel Fernández, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé; fotografia de 30 de setembro de 2023. Crédito: Mazur/cbcew.org.uk.

O Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF) publicou, a 8 de novembro, um documento de três páginas em italiano para responder a seis questões controversas.

O texto está assinado pelo Papa Francisco numa audiência do dia 31 de outubro, bem como pelo novo prefeito do DDF, o cardeal D. Víctor Manuel Fernández.

O DDF referiu ter recebido uma carta, datada de 14 de julho, do Bispo D. José Negri, do Brasil, com perguntas “sobre a possível participação nos sacramentos do batismo e do matrimónio por pessoas transexuais e homoafetivas”. 

O Dicastério não apresentou uma definição para a expressão “pessoas homoafetivas”, parecendo usá-la para se referir a alguém que estabelece relacionamentos com pessoas do mesmo sexo.

O gabinete responsável pela doutrina afirmou que emitiu as suas respostas após o seu estudo e que, essencialmente, reafirmava posições que tinha expressado anteriormente, incluindo numa “nota confidencial” de 2018 em que abordava “algumas questões canónicas inerentes ao transexualismo”.

O DDF resumiu as perguntas do bispo da seguinte forma:

  1. Uma pessoa transsexual pode ser batizada?
  2. Uma pessoa transsexual pode ser padrinho ou madrinha no batismo? 
  3. Uma pessoa transsexual pode ser testemunha em um casamento?
  4. Duas pessoas “homoafetivas” podem ser admitidas como pais de uma criança que deve ser batizada e que foi adotada ou obtida por outros métodos, como a barriga de aluguer?
  5. Uma pessoa “homoafetiva” e coabitante pode ser padrinho de uma pessoa batizada?
  6. Uma pessoa “homoafetiva” e coabitante pode ser testemunha de um casamento?

A resposta mais longa foi para a primeira pergunta. 

O DDF afirmou que uma pessoa transexual que foi submetida a uma cirurgia pode receber o sacramento do batismo “nas mesmas condições que outros fiéis, se não houver situações em que haja risco de gerar escândalo público ou desorientação entre os fiéis”.

O documento acrescentou uma série detalhada de considerações destinadas a abordar os casos em que “há dúvidas sobre a situação moral objetiva em que uma pessoa se encontra, ou sobre sua disposição subjetiva para a graça”.

Acrescentou que crianças ou adolescentes com “problemas de natureza transgénera” também poderiam receber o batismo, se estiverem bem preparados e dispostos a ser batizados.

O próprio direito canónico não estabelece critérios específicos relativamente aos pais das crianças apresentadas para o batismo, estipulando apenas que o ministro do batismo deve ter uma “esperança fundada” de que uma criança batizada será criada como católica.

Respondendo à segunda pergunta, o DDF disse que adultos transexuais submetidos a cirurgia poderiam servir como padrinhos ou madrinhas “sob certas condições”.

“No entanto, como esta função não constitui um direito, a prudência pastoral exige que não seja permitida se houver risco de escândalo, legitimação indevida ou desorientação na esfera educativa da comunidade eclesial”, afirmou.

Por sua vez, o direito canónico estabelece que o padrinho de batismo deve ser um católico confirmado, que “leve uma vida consentânea com a fé e o múnus que vai desempenhar”.

Sobre a terceira questão, o gabinete de doutrina do Vaticano disse que não há proibição no direito canónico em relação a uma pessoa transgênero atuar como testemunha num casamento católico.

Passando à quarta questão, o DDF enfatizou que deve haver uma esperança bem fundamentada de que uma criança apresentada ao baptismo seja educada na fé católica.

A resposta não abordou especificamente as questões que pareciam ser colocadas, nomeadamente, se ambas as pessoas numa união homossexual deveriam ser consideradas como “pais”, ao avaliar as permissões necessárias para o batismo de uma criança e ao registar o baptismo nos registos paroquiais. — ambas as questões frequentemente discutidas entre os canonistas.

Em relação à quinta questão, o Dicastério observou que o direito canónico exige que os padrinhos batismais possuam aptidão para a função e levem “uma vida de fé de acordo com a função a ser desempenhada”.

Acrescentou que “quando a coabitação de duas pessoas homoafetivas consistir não em simples coabitação, mas em relação estável e declarada more uxorio [união sexual análoga à união estável], bem conhecida da comunidade”, a situação seria “diferente”. ”— manifestamente não é um indício de uma vida “de acordo com a função a ser assumida”.

“Em qualquer caso, a devida prudência pastoral exige que cada situação seja considerada com sabedoria, para salvaguardar o sacramento do batismo e sobretudo a sua receção, que é um bem precioso a ser protegido, pois é necessário para a salvação”, afirmou.

Prosseguiu: “Ao mesmo tempo, é necessário considerar o valor real que a comunidade eclesial atribui aos deveres dos padrinhos e madrinhas, ao papel que desempenham na comunidade e à consideração que demonstram pelo ensinamento da Igreja”. 

“Finalmente, deve levar-se em conta também a possibilidade de que possa haver outra pessoa do círculo familiar para atuar como garante da correta transmissão da fé católica ao batizado, sabendo-se que se pode ainda assistir ao rito do batismo de uma pessoa não apenas como padrinho ou madrinha, mas também como testemunhas do ato batismal”.

Abordando a sexta e última questão, o DDF disse: “Não há nada na atual legislação canónica universal que proíba uma pessoa homoafetiva e coabitante de ser testemunha de um casamento”.

Fernández, que foi nomeado chefe doutrinário do Vaticano em julho e assumiu o cargo em setembro, prometeu trazer uma abordagem diferente para a função. 

Numa entrevista ao jornal argentino Clarín, manifestou reservas a respeito de um documento de 2021 do DDF que afirmava que a Igreja não tem o poder para abençoar as uniões homossexuais. Referiu que muitas pessoas comentavam que isso “não cheira a Francisco”.

D. Negri é bispo de Santo Amaro, São Paulo. O bispo milanês, de 64 anos , é membro do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras (PIME) e trabalha há décadas no Brasil.

Fonte: pillarcatholic.com, em 8 de novembro de 2023 (tradução nossa).