A prova final da Igreja segundo Fátima e o Catecismo

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Por Pedro Sinde

Vive-se, hoje, uma certa euforia na Igreja (curiosamente, talvez até mais fora do que dentro dela!); convém recordar, no entanto, para evitar cair em precipitação, que nada menos do que o próprio Catecismo nos ensina que a “Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes” (Catecismo, § 675). Veremos brevemente como os avisos que nos chegam de Fátima estão em espantosa consonância com a doutrina da Igreja.

Abalo da fé

São palavras tremendas, as que a Igreja diz de si mesma sobre os últimos tempos: a “Igreja não entrará na glória do Reino senão através dessa última Páscoa, em que seguirá o Senhor na sua morte e ressurreição” (idem, § 677). Ora, seja qual for a natureza da prova final, ficámos a saber no Catecismo que ela abalará a fé de numerosos crentes; isto não espantará, naturalmente, nenhum católico que se lembre destas tremendas palavras de Cristo: “Quando porém o Filho do Homem voltar, encontrará porventura fé sobre a terra?” (Lc, 18, 8). Neste ponto, podemos recordar que a mensagem de Fátima avisa justamente para esta questão da perda de fé, ao dizer que “em Portugal se conservará sempre o dogma da fé”. Os melhores intérpretes têm apontado que esta referência parece pressupor a ideia de que noutros lugares o dogma da fé não se conservará. No entanto, temos de atender ao facto de que isto não significa nem que apenas em Portugal se mantenha, nem que fora de Portugal não se mantenha. No entanto, temos a promessa, em palavras da própria Virgem de que em Portugal se manterá. Já alguns têm afirmado que ser em Portugal não quer necessariamente dizer que seja com os portugueses… Portugal pode aparecer nas palavras da Virgem como um lugar, como uma arca de Noé que contivesse os elementos fundamentais da fé intactos para a transição neste processo de morte e ressurreição da Igreja; se não como semente, pelo menos como terreno fértil para a semente. Regressemos agora ao Catecismo no sentido de antever um pouco qual a natureza deste evento tremendo. No mesmo parágrafo citado acima (§ 675), referem-se alguns pontos essenciais, que nos podem ajudar a conhecer a natureza desta prova: “Antes da vinda de Cristo, a Igreja deverá passar por uma prova final, que abalará a fé de numerosos crentes. A perseguição, que acompanha a sua peregrinação na Terra, porá a descoberto o «mistério da iniquidade», sob a forma duma impostura religiosa, que trará aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade. A suprema impostura religiosa é a do Anticristo, isto é, dum pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado.”

Podemos, assim, reconhecer os principais elementos da prova final:

– ocorrerá uma perseguição: e a quem poderia ser, senão a quantos se mantiverem fieis à Igreja?;

– esta perseguição “porá a descoberto o «mistério da iniquidade»: sob a forma de uma impostura religiosa”;

– esta impostura religiosa – que enganará os crentes (e de que modo, senão emergindo mesmo do interior do Catolicismo?) – caracterizar-se-á por apresentar “aos homens uma solução aparente para os seus problemas, à custa da apostasia da verdade”;

– o modo pelo qual se realizará esta impostura será o de um “pseudo-messianismo em que o homem se glorifica a si mesmo, substituindo-se a Deus e ao Messias Encarnado”.

Numa importante nota (nota 643), o Catecismo descreve especificamente um “falso misticismo” que é a “simulação da redenção dos humildes”. Esta questão dos humildes ou dos pobres aparece, pois, como uma ‘pedra de toque’ ou uma ‘pedra de tropeço’ e deve ser vista à luz meridional dos Evangelhos e não à luz de qualquer ideologia: – Judas, esse que O havia de trair, exclama, escandalizado por ver Maria a ungir os pés do Messias com um caro perfume: “Por que não se vendeu este unguento por trezentos dinheiros, e não se deu aos pobres?” E a surpreendente resposta de Jesus é esta: “Pobres sempre os tereis entre vós, mas a Mim nem sempre me tereis” (Jo, 12, 8). – Mas talvez ainda mais importante é a seguinte afirmação: “É mais fácil passar um camelo no buraco da agulha do que um rico entrar no reino de Deus” (Mt, 19, 24; Lc, 18, 25). Desta perspectiva, que é a de Deus (!), não está o pobre em vantagem em relação ao rico? Diz a erudita Irmã Jeanne d’Arc que “buraco da agulha” era o nome de uma rua de Jerusalém muito estreita e praticamente impossível de passar com o camelo carregado. Isto nos mostra que ao rico não é impossível entrar no reino de Deus, mas apenas que é mais difícil (sobretudo se quiser passar carregado com as suas riquezas). A nobreza da pobreza evangélica opõe-se ao modo meramente materialista e bélico das ideologias de qualquer tipo.

Abalo cósmico

E o abalo da fé, referido acima, parece ter como consequência um abalo cósmico. No § 677, diz-se ainda que o “triunfo de Deus sobre a revolta do mal tomará a forma de Juízo Final, após o último abalo cósmico.” Fixemos esta impressionante expressão e recordemos a seguinte visão da Irmã Lúcia (tal como narrada em Um Caminho sob o Olhar de Maria, p. 267):

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Vista parcial do manuscrito da Ir. Lúcia publicado no livro “Um Caminho sob o Olhar de Maria: Biografia da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado”, 2013

(Depois de dificultosamente escrever a terceira parte do segredo, anota): “E senti o espírito inundado por um mistério de luz que é Deus e N’Ele vi e ouvi, – A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece, montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultadas. – O mar, os rios e as nuvens, saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que se não pode contar, é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. – O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora!” (3-1-1944).

Impressionante descrição! Aquela “ponta da lança como chama que se desprende” e que “toca o eixo da terra”, fazendo-a estremecer, não será verdadeiramente aquele “abalo cósmico” a que se refere o próprio Catecismo? O abalo da fé, implícito na mensagem de Fátima, não será, como no Catecismo, a causa do abalo cósmico? E não diz a Irmã Lúcia, numa carta ao Cardeal Carlo Caffarra, que a coluna que sustenta a criação é a família e que, por isso, o último ataque de Satanás será sobre a família e a santidade do matrimónio? Se não devemos deixar-nos derrotar pelos eventos previstos, por muito difíceis que se nos afigurem os tempos, também não devemos deixar que as vagas das modas ideológicas deste mundo nos levem embalados e afastem da barca firme. Temos, de resto, a promessa da Virgem, ela mesma, em Fátima, e em palavras inequívocas: “por fim o meu Imaculado Coração triunfará”!

Este texto foi publicado no jornal Diário do Minho no dia 25 de maio de 2016.

Nota da edição: o artigo acima faz parte da série “Fulgores de Fátima”, uma rubrica assinada pelo filósofo português Pedro Sinde no jornal Diário do Minho, a presente edição visa apenas a sua divulgação. As imagens foram adicionadas na presente edição, não fazem parte da publicação original.

Basto 7/2017