A lenda de São Putin…

…ou do todo-poderoso que pediu a consagração da Rússia a Imaculado Coração de Maria!

Este mito urbano, que correu a web, teve origem num pequeno vídeo amador do Pe. Paul Kramer, divulgado nas redes sociais.

Este padre, que esteve durante muitos anos ligado ao Fatima Center, é um dos grandes investigadores da integral mensagem de Fátima, pelo que foi autor de alguns livros importantes sobre o tema e orador em várias conferências. Em 2013, surpreendeu toda a gente ao rejeitar publicamente o papado de Francisco através da sua página do facebook. Desde então, deixou de ter atividade no apostolado fundado pelo Pe. Gruner, pelo menos de forma visível.

Neste vídeo, o Pe. Kramer afirma ter tido conhecimento, através de canais de informação privados, no Vaticano, que Vladimir Putin pedira, ao Papa Francisco, a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria e, face a este pedido, o Santo Padre ter-lhe-á negado categoricamente nestes termos: “nós não discutiremos Fátima”. Este vídeo alega ainda que um dos cardeais mais próximos de Francisco prometera, junto à estátua da Senhora do Rosário, que iriam “destruir Fátima”. No resto do vídeo, o padre rasga-se em elogios à liderança de Putin…

É evidente que esta informação não passa de uma ‘história da carochinha’, incapaz de convencer sequer a audiência do Canal Panda. Não pela parte que toca a Francisco, de quem, infelizmente, já nos habituamos a ficar surpreendidos apenas quando pára momentaneamente de nos surpreender, mas antes, e principalmente, pela parte que se refere ao presidente russo.

É mais do que provável que o Presidente da Rússia tenha falado sobre Fátima com o Bispo de Roma. Um assunto que já deve ter estado em cima da mesa antes, durante outros encontros diplomáticos entre chefes de estado da Rússia e do Vaticano anteriores. O resto é fantasia…

Este conto não tem a mínima credibilidade. Se essa fosse mesmo a vontade de Vladimir Putin, Bento XVI ter-lhe-ia feito a vontade de imediato. E não foi por falta de oportunidade que não lhe pedira.

A devoção ao Imaculado Coração de Maria é intrinsecamente católica, constituindo um fator de diferenciação identitária e confessional face ao mundo ortodoxo. Um líder altivo como Putin, tão próximo da Igreja Ortodoxa, num país em que o nacionalismo russo se confunde tantas vezes com o proselitismo religioso, jamais aceitaria tal possibilidade e muito menos suplicaria por ela. Na prática, tal hipótese absurda significaria um requerimento ao Santo Padre, pedindo que aceite a subordinação da Rússia ao Bispo de Roma, ou seja, que aceite a conversão da Rússia ao catolicismo.

Um conto de fadas! E é uma pena que não passe disso mesmo porque seria ótimo ter o, cada vez mais poderoso, Vladimir Putin do nosso lado.

A Rússia nunca precisou de um Papa para poder realizar a sua consagração ao Imaculado Coração de Maria. Pode fazê-lo quando quiser, do mesmo modo que outras nações o fizeram sem a necessidade de qualquer favor papal. Portugal já o fez mais do que uma vez.

A lenda de São Putin tem outras variantes, umas mais infantis do que outras. Há quem diga que o pobre homem sofria de uma doença incurável e então obteve uma graça de Nª Sª de Fátima, a quem deseja agora agradecer. No entanto, como ninguém o viu internado ou convalescente, se calhar a doença era caspa! Mas o mais grave disto tudo é que a(s) lenda(s) de São Putin, em alguns meios tradicionalistas, está a alimentar o mito do “Grande Monarca” que virá salvar o Ocidente dos seus líderes infiéis… Aonde isto chegou!

O Ocidente secularizado pode estar muito mal – e está mesmo – mas mal de nós se estamos à espera que venha o São Putin, a cavalo, para salvar a nossa Fé. Mas se vier, que traga boas sardinhas como o São João. Na conjuntura atual, é como esperar que venha o Dr. Jivago trazer o remédio para a nossa própria caspa! Mais vale esperar pelos extra-terrestres, mas sentados.

Nota Final: Com este texto, não se pretende, de modo algum, diminuir o excelente contributo do Pe. Kramer para o entendimento global e integral da mensagem de Fátima. Pelo contrário, vários dos seus trabalhos escritos e apresentações gravadas em congressos ao longo das últimas décadas são imprescindíveis. Todos nós andamos algo confusos desde há três anos e tal para cá, uns mais do que outros.

Basto 06/2016